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segunda-feira, 28 de julho de 2014

sobre a eternidade
I
ali, naquela ponte
passa um rio.
passa, e ele sabe
que ela passa e
ele fica. eterno
como um rio.
II
etérea como
um beija-flor
a vida é,
entanto, eterna:
como a flor.
III
as tuas águas
são: águas nascendo
como as águas que
não nasceram ainda.
tão claras que nem
parecem vivas.
tão vivas que nem
parecem infindas.
Carlos Rodrigues Brandão

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Obrigado, Suassuna

"Deus, unidade infinita que nos reduz a pó. Escolhestes nossos pedreiros para sua companhia, e agora mesmo os faz maior que a felicidade de viver nesse mundo que preparastes para nos ensinar. E aprendemos sim, porque amamos sem freios a vida.
Tem sido duro conosco, em nós deixando a poesia e levando assim em nuvens os nossos poetas. Mas acredito também que na alegria, na generosidade e no ensinamento, o alto estará compadecido de novas esperanças, pois com certeza eles renascerão entre a alegria dos nossos. Que estes construtores de paz sejam a intercessão entre os céus e a terra para a necessidade da calma que as almas procuram.
Nem só amor, nem amor só!
A seca nada, porque o nordeste chora. O Brasil perde, o mundo silencia. Perdoai as nossas faltas porque sou homem e não aguento mais perder.
Obrigado, Suassuna." Carlinhos Brown

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Soneto do amigo
Enfim, depois de tanto erro passado ...
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinicius de Moraes

sábado, 19 de julho de 2014

"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem."
"Rubens Alves in: "Entre a ciência e a sapiência: O dilema da educação"
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quarta-feira, 9 de julho de 2014

FOI-SE A COPA?

Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?
Perdura inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
a Copa da Liberdade.

          (Jornal do Brasil, 24/06/1978)
ODE AOS CAMPEÕES DO MUNDO

               Poema de Manoel Caetano de Mello

Maracanã em 50, anfiteatro da derrota de um povo,
que para ali acorrera a assistir ao embriago dos nossos,
enquanto ouviam no rádio os milhões o correr da[partida
Apoteose transferia nas lágrimas tristes e palmas
aos vencedores e bravos guerreiros da equipe uruguaia

58 de novo nos leva ao calor da disputa
agora em campos molhados da lousa Suécia que encanta
Primeiro a Áustria vencida, depois a Inglaterra não cede,
e o empate premia o poder das esquadras em luta
Foram baldados os esforços dos nossos, a rede está incólume,
porque MacDonald, o arqueiro, os potentes disparos apara

Mas o astucioso Feeola com a Rússia coloca Pelé,
cuja presença agressiva incentiva os dois goals de Vavá
e abre com génio o caminho das redes do arqueiro galês

Por esse tempo a fama dos nossos correra a Europa
e no Brasil outro vinho de vida reanima esta gente
(que não se deixa embriagar, com a lembrança das mágoas passadas

Para a partida com a França Gilmar que ainda era invencível
baqueia aos pés de Fontaine, porém os brasileiros respondem
e no final obtêm a vitória que os francos abate

Vem afinal a partida que o cetro do mundo dará
O adversário ainda invicto é a própria Suécia que encanta
que comparece com o Rei e incentiva os heróis da peleja
e mal começa a partida os- suecos conseguem o objetivo
roas sem desânimo os nossos se lançam à. dura batalha
as flechas correm no campo (em camisas de verde e amarelo

Este é Garrincha que dribla em tropel, o "Manoel Pernas Tortas",
e lança um tiro a Vavá que .acompanha o perfil do horizonte
logo em corrida o avante arremessa e é "gôôôôôl... de Vavá" !
(Ao pé do rádio estes olhos as lágrimas choram com honra

O mesmo lance se segue e outro goal o avante consegue
e os noventa minutos os atletas morenos consagram
O arauto Nelson sob a forma do velho Nesíor justifica
essa conquista dos louros mundiais: "De Didi não pendia
a camiseta dos outros, mas via-o vestido de manto
de imperador etíope de rancho em passeio triunfal".

Glória a Santos, o Nilton, o Djalma, e Orlando, e Zagalo,
Vavá, Garrincha, Gilmar, e Pele, o dos chutes alados,
Zito, Didi e Hideraldo Bellini, o domador de cavalos,
e aos outros todos que antes com alma também porfiaram
ou construíram o espetáculo com amor, pelos seus bastidores


São os heróis brasileiros que deram-nos esta vitória
que foi gerada entretanto nas dores do Maracanã


                                                                     Rio, 1958

FUTEBOL

Futebol se joga no estádio? 
Futebol se joga na praia, 
futebol se joga na rua, 
futebol se joga na alma. 
A bola é a mesma: forma sacra 
para craques e pernas-de-pau. 
Mesma a volúpia de chutar 
na delirante copa-mundo 
ou no árido espaço do morro.
 São vôos de estátuas súbitas,
 desenhos feéricos, bailados 
de pés e troncos entrançados. 
Instantes lúdicos: flutua 
o jogador, gravado no ar 
— afinal, o corpo triunfante 
da triste lei da gravidade.

         In Poesia errante

DE UM JOGADOR BRASILEIRO
A UM TÉCNICO ESPANHOL

         João Cabral de Melo Neto

Não é a bola alguma carta
que se leva de casa em casa:

é antes telegrama que vai
de onde o atiram ao onde cai.

Parado, o brasileiro a faz
ir onde há-de, sem leva e traz;

com aritméticas de circo
ele a faz ir onde é preciso;

em telegrama, que é sem tempo
ele a faz ir ao mais extremo.

Não corre: ele sabe que a bola,
Telegrama, mais que corre voa.
AOS ATLETAS

                    Carlos Drummond de Andrade
 
Os poetas haviam composto suas odes
para saudar atletas vencedores.
A conquista brilhava entre dois toques.
Era frágil e grácil
fazer da glória ancila de nós todos.
Hoje,
manuscritos picados em soluço
chovem do terraço chuva de irrisão.
Mas eu, poeta da derrota, me levanto
sem revolta e sem pranto
para saudar os atletas vencidos.
Que importa hajam perdido?
Que importa o não-ter-sido?
Que me importa uma taça por três vezes,
se duas a provei para sentir,
coleante, n.o fundo, o malicioso
Mercúrio de sua perda no futuro?

É preciso xingar o Gordo e o Magro?
E o médico e o treinador e o massagista?
Que vil tristeza, essa
a espalhar-se em rancor, e não em canto
ao capricho dos deuses e da bola
que brinca no gramado
em contínua promessa
e fez um anjo e faz um ogre de Feola?

Nem valia ter ganho
a esquiva copa
e dar a volta olímpica no estádio
se fosse para tê-la em nossa copa
ternamente prenda de família
a inscrever no inventário
na coluna de mitos e baixelas
que à vizinhança humilha,
quando a taça tem asas, e, voando,
no jogo livre e sempre novo que se aprende,
a este e aquele vai-se derramando.

Oi, meu flavo canarinho,
capricha nesse trilo
tanto mais doce quanto mais tranquilo
onde estiver Bellini ou Jairzinho,
o engenhoso Tostão, o sempre Djalma Santos,
e Pele e Gilmar,
qualquer dos que em Britânia conheceram
depois da hora radiosa
a hora dura do esporte,
sem a qual não há prémio que conforte,
pois perder é tocar alguma coisa
mais além da vitória, é encontrar-se
naquele ponto onde começa tudo
a nascer do perdido, lentamente.

Canta, canta, canarinho,
a sorte lançada entre
o laboratório de erros
e o labirinto de surpresas,
canta o conhecimento do limite,
a madura experiência a brotar da rota esperança.

Nem heróis argivos nem párias,
voltam os homens — estropiados
mas lúcidos, na justa dimensão.
Souvenirs na bagagem misturados:
o dia-sim, o dia-não.
O dia-nâo completa o dia-sim
na perfeita medalha. Hoje completos
sáo os atletas que saúdo:
nas mãos vazias eles trazem tudo
que dobra a fortaleza da alma forte.

                              24 de julho de 1966.
UM DIA APÓS O OUTRO

Poema de Leonardo Araújo

Aos quarenta e cinco do segundo tempo
o goleiro vencido, a bola, sempre faceira,
resvala na trava e não entra (todos vêem),
e você diz: "porra, hoje não é meu dia!"
Mas, de repente, ela volta, amiga e redonda,
o goleiro ainda no chão, você bate de novo, altivo,
a bola vai, descreve um belo arco, a rede acolhe,
e você diz: "que gol lingo, porra, mereço!"

Fora do jogo, quando você menos esperqa,
um raio piedoso cai bem ao seu lado
e você, inerte, nada diz (ninguém vê).
Passado o susto, você cai em si e diz,
"esse bateu na trave, porra, que sorte!"
E você segue, nem alegre nem triste,
como se nada tivesse acontecido<
mas com um crto vazio (ou alívio) no peito.


Extraído de :  ADRIANO MENEZES et al... Belo Horizonte: Scriptum, 2010.
SOLUÇÃO

Poema de Carlos Drummond de Andrade


O papagaio atleticano
não vai calar o gol do Galo,
e não é justo nenhum plano
que tenha em mira silenciá-lo.

Evitem, pois, brigas forenses.
Outro projeto, mais certeiro,
aqui proponho aos cruzeirenses:

É ensinar: "Gol do Cruzeiro"

a um papagaio de igual força.
Haja, entre os dois, uma peleja
em que cada mineiro torça,
e, entre foguetes e cerveja,

o papagaio vitorioso
proclamado seja campeão
desse grato esporte verboso
de que sente falta a nação.

(Jornal do Brasil, 23/09/1972) 

SONETO PARA O JOGO BRUTO

         Glauco Matttoso

Zagueiro violento, ele é batata:
carrinhos dá por trás, empurra, soca...
Feliz foi o cronista que o retrata:
"pega, em cada enxadada, uma minhoca".

Se falha a marcação com que combata
um ótimo atacante, ele já troca
o jogo limpo pelo pau da pata...
Quem é que, à sua frente, não pipoca?

Caído o centroavante, mete a chanca
na cara do coitado e, na retranca,
seu time vai mantendo o resultado...

Placar que não saiu do zero a zero
e, como falta um árbitro severo,
bem alto o zagueirão ergue o solado...
CANTIGA DO REI PELÉ

  Poema de Affonso Ávila

na era do rei que ainda o é
tudo ao redor dava pé
surfava-se alta maré
subia em bolsa o café
do bolso moeda ao sopé
bahia jorrava e-
tróleo água chovia até
no sertão do canindé
rodovias hidrelé-
tricas eram cré em cré
são bernadro santo andré
da indústria o melhor filé
erguiam em comtrape-
lo aos corvos e à mà fé
no cerrado a fincapé
um sorridente pajé
construía a nova sé
sem servidão ou galé
empregado qualquer zé
tinha onde pôr o boné
prosa de rosa poe-
sia bossa nova re-
finavam toque de axé
mas da galera o evoé
era a alegria do fute-
bol o gol de placa o olé
drible curto de mané
nos johns e o rei da sué-
cia aplaudindo o caburé
milico deu golpe eh eh
pau comeu com chipanzé
depois fodeu a ralé
falastrão com rapapé
ao dos banqueiros curé
fez a globo fricassé
da cultura e a marcha-à-ré
tomou conta do terre-
no traficante à libré
corrupção apagão atché!
agora é ir-se à galilé
da matriz de são josé
e rezar a deus maomé
a outros cultos de javé
ou mesmo no candomblé
que voltem sorriso e fé
ao reino do rei pelé

Extraído de :  ADRIANO MENEZES et al... Belo Horizonte: Scriptum, 2010.
INSTALAÇÃO NA SQS 408

Poema de Angélica Torres Lima

Enforcado um rato
num galho de ipê
com fita
verde-amarela:

era o dois
do sete
de dois mil
e seis:

Parreira de viúvas
do passo torto
(sem Garrincha perto)
agora rói do fracasso
o osso.

Pobre zagueiro
artilheiro
pobre goleiro...
todos te querem
golaço colosso!

02.07.2006
A SELEÇÃO

Poema de Carlos Drummond de Andrade

Vai Rildo, não vai Amarildo?
Vão Pelé e, que bom. Mané,
o menino gaúcho Alcino
e nosso veterano Dino,
Altair, rima de Oldair,
ecoando na ponta: Ivair,
e na quadra do gol: Valdir.
Fábio, o que não pode faltar,
e também não pode Gilmar,
como, entre os santos dos santos,
o patriarca Djalma Santos,
sem esquecer o Djalma Dias
e, entre mil e uma noites, Dias.
Mas se a Comissão não se zanga,
quero ver, em Everton, Manga.
É canhoto, e daí? Fefeu,
quando chuta, nunca perdeu.
A chance que lhe foi roubada,
desta vez a tenha Parada.
Paraná, invicto guerreiro
para guerrear como aqui, lá.
Olhando pró chão, Jairzinho
é como joga legalzinho.
Não abro mão de Nado e Zito,
nem fique o Brito por não dito.
Ditão, é claro, por que não?
e o mineiríssimo Tostão,
o grande Silva, corintiana
glória e mais o áspero Fontana,
Dudu, Edu... e vou juntando
bons nomes ao nome de Orlando,
para chegar até Bellini
em cujas mãos a taça tine.
Célio, Servílio: suaves eles
já completados por Fidélis.
Edson, Denilson e Murilo,
cada um com seu próprio estilo.
Um lugar para Paulo Henrique
enquanto digo a Flávio: fique!
Com Paulo Borges bem na ponta
eu conto, e sei que você conta.
Na lateral, Carlos Alberto
estou certo que vai dar certo.
Acham tampinha Ubirajara?
Valor não se mede por vara.
Até parece de encomenda:
Leônidas, nome que é legenda.
E se Gérson do Botafogo
entra no campo, ganha o jogo.
Não podia esquecer o Lima
e seu chute de muita estima.
Com tudo isso e mais Rinaldo
e o canarinho de Ziraldo,
quarenta e seis, se conto bem
— um time igual eu nunca vi
em Europa, França e Belém —
que barbada seria o Tri,
hein?

(Correio da Manhã, 03-04-1966)