Powered By Blogger

sábado, 27 de julho de 2013

“É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.” Clarice Lispector in: A hora da Estrela


Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.

Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.

MIA COUTO, in:  JESUSALÉM

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Ellen Oléria - Nuvem Passageira

 Aceitação

É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.

Cecília Meireles in : Viagem
As Pombas


Vai-se a primeira pomba despertada…
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada.
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.

(Raimundo Correia)
Poema Sujo


turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
(, de Ferreira Gullar in:   Poema Sujo).

terça-feira, 23 de julho de 2013


A MÁQUINA DO MUNDO

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

( Carlos Drummond de Andrade).

sábado, 20 de julho de 2013


              Canção amiga

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

Carlos Drumond de Andrade
Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.


 DE MELLO BREYNER ANDRESEN,  in OBRA POÉTICA 

sexta-feira, 19 de julho de 2013






“A pessoa de quem vou falar é tão tola que às vezes sorri para os outros na rua. Ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham.” Clarice Lispector in: A hora da estrela

quarta-feira, 17 de julho de 2013

''Trabalhamos, compramos, vendemos e construímos relações sociais; discorremos sobre política, economia e ciências, mas no fundo somos meninos brincando no teatro da existência, sem poder alcançar sua complexidade. Escrevemos milhões de livros e os armazenamos em imensas bibliotecas, mas somos apenas crianças. Não sabemos quase nada sobre o que somos. Somos bilhões de meninos que, por décadas a fio, brincam neste deslumbrante planeta."

[Augusto Cury]

terça-feira, 16 de julho de 2013

Cavalgada

Meu sangue corre como um rio
num grande galope,
num ritmo bravio,
para onde acena a tua mão.

Pelas suas ondas revoltas,
seguem desesperadamente
todas as minhas estrelas soltas,
com a máxima cintilação.

Ouve, no tumulto sombrio,
passar a torrente fantástica!
E, na luta da luz com as trevas,
todos os sonhos que me levas,
dize, ao menos, para onde vão!

Cecília Meireles in: Viagem

Clariceando

"...quem eu sou, você só vai perceber quando olhar nos meus olhos, ou melhor, além deles..."

- Clarice Lispector

domingo, 14 de julho de 2013

...(eu quero amor antes do café da manhã)
começo a perder a fé, as forças,
o mundo explode a cada segundo
e o céu desaba em minha cabeça;
eu não sei por qual caminho
você tem escolhido seguir,
mas sinto nossas mãos se
distanciando mais e mais;
não grite, não fale,
não minta sobre as coisas
que você não pode sentir;
não acredite nesse sentimento
que você não tem por mim.


Cáh Morandi  in: - O amor se apaga (fragmento)

sexta-feira, 12 de julho de 2013





"Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos." Martha  Medeiros

Hoje vou tomar um pileque...

“Hoje eu vou tomar um pileque, vou encher os copos, de pura alegria. Hoje vou buscar meu grito que ficou sufocado por causa dos sonhos que não realizei. Vou fazer as tramas, pois não quero manhas e nem outros amparos de minha imaginação.
Hoje vou dizer o que sinto, mesmo que isso me aparte das presenças de quem eu sempre desejei. Hoje, digo adeus ao frio que inconsequente congela meu querer. Hoje, faço a gentileza de me pertencer.” Ita Portugal

quarta-feira, 10 de julho de 2013



"Ando em busca do silêncio que a cidade não dá.
 Da paz que a cidade não dá.
 Da suavidade zen que esta cidade não dá, 
nunca deu nem dará nunca. A ninguém." 

(Caio F. in: A vida gritando nos cantos. Crônica: "Ah, bossa-nova, new-bossa...")

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Julho

"Ele veio tímido, querendo se encaixar nos farelos de Junho, entrou pela porta da frente, congelou as rosas lá do jardim e descongelou alguns sentimentos que o outono teimava em aninhar.
E julho trouxe verão pro meu coração, trouxe luz para meus olhos, trouxe fé na bandeja e distribuiu sonhos novos.
Inverno de paz! A quentura do menino Julho é bem maior que seu assustador potencial para esfriar as mãos e a ponta do nariz.
Não se importou com a falta de quentura do sol, pois preparou um acolchoado de felicidade pra aninhar pessoas, pra juntar corações e agregar compaixão.
Que Julho renove a esperança daqueles que andam descobertos pela incerteza do não querer, do não sentir. E que todos possamos nos beneficiar da melhor das estações.
É tempo de aquecer, tempo de abraçar. Que Julho nos envolva no agasalho do amor. Que o inverno da estação não se aplique no peito. Que seja verão na alma, nos olhos e no coração.
Que seja verão, meu bem, pra gente, pro mundo. Verão em pleno inverno é questão de deixar se aquecer.
Eu te aqueço e tu me aqueces e o resto fica tudo bem.”

(Ju Fuzetto)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

clariceando

" Hoje varri o terraço das plantas. Como é bom mexer nas coisas deste mundo: nas folhas secas, no pólen das coisas (a poeira é filha das coisas). Meu cotidiano é muito enfeitado."
Clarice Lispector in: Um sopro de vida

Poesia todo dia