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segunda-feira, 31 de maio de 2010


[...] Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-rosa-vivo. Fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem mulher feita ainda não era. E então aconteceu: do fundo de meu coração, eu queria aquela rosa para mim. Eu queria, ah como eu queria. E não havia jeito de obtê-la. Se o jardineiro estivesse por ali, pediria a rosa, mesmo sabendo que ele nos expulsaria como se expulsam moleques. Não havia jardineiro à vista, ninguém. E as janelas, por causa do sol, estavam de venezianas fechadas. Era uma rua onde não passavam bondes e raro era o carro que aparecia. No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como coisa só minha. Eu queria poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume.

Clarice Lispector in: Felicidade Clandestina

domingo, 30 de maio de 2010

Sobra tanta Falta

Falta tanta coisa na minha janela
Como uma praia
Falta tanta coisa na memória
Como o rosto dela
Falta tanto tempo no relógio
Quanto uma semana
Sobra tanta falta de paciência
Que me desespero
Sobram tantas meias-verdades
Que guardo pra mim mesmo
Sobram tantos medos
Que nem me protejo mais
Sobra tanto espaço
Dentro do abraço
Falta tanta coisa pra dizer
Que nunca consigo

Sei lá, se o que me deu foi dado
Sei lá, se o que me deu já é meu
Sei lá, se o que me deu foi dado ou se é seu

[ O Teatro Mágico]
Adoro Teatro Mágico... isso hj contempla meu estado de espírito.

sábado, 29 de maio de 2010


"O sol desceu pelo escorregador e fez o mundo sorrir tão de repente, que toda a gente parou para assistir. Coisas de Verão ... É o coração que fica adolescente, o corpo forte, de pé para aplaudir. (Flora Figueiredo)

sexta-feira, 28 de maio de 2010




"Eu me sinto às vezes tão frágil, queria me debruçar em alguém, em alguma coisa. Alguma segurança. Invento estorinhas para mim mesmo, o tempo todo, me conformo, me dou força. Mas a sensação de estar sozinho não me larga." Caio Fernando Abreu



"Já tive torres internas que foram ao chão.
Torres altas demais para mim, torres que nem
chegaram a ficar concluídas
(as de dentro nunca se concluem),
torres que me exigiram esforço e que me deram prazer,
até que alguém, com uma frase, ou com um gesto,
as fez virem abaixo.
Tinha gente dentro, tinha eu." Marta Medeiros


'' A memória da gente é safada: elimina o amargo, a peneira só deixa passar o doce.'' Caio

Cansada...saudades de mim,

quinta-feira, 27 de maio de 2010


É duro ter coração mole
Por favor
não me aperte tanto assim
tenha cuidado, pega leve
olha onde pisa
isso é meu coração
meu ganha-pão
instrumento de trabalho,
meio de vida, profissão
meu arroz com feijão
meu passaporte
para qualquer parte
para qualquer arte
não machuque esse meu coração
preciso dele
para me levar a Marte
sem sair do chão
não me aperte
não machuque
tome cuidado
eu vivo disso
poesia, sonhos
e outras canções
sem emoção
morro de fome
sinto muito
mas não há nada
que eu possa fazer
sem coração

Alice Ruiz




'O que tem me mantido vivo hoje é a ilusão ou a esperança dessa coisa, "esse lugar confuso", o Amor um dia. E de repente te proíbem isso. Eu tenho me sentido muito mal vendo minha capacidade de amar sendo destroçada, proibida, impedida...' Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A VIDA ENSINA

Se você pensa que sabe; que a vida lhe mostre o quanto não sabe.
Se você é muito simpático mas leva meia hora para concluir seu pensamento;
que a vida lhe ensine que explica melhor o seu problema, aquele que começa pelo fim.
Se você faz exames demais; que a vida lhe ensine que doença é como esposa ciumenta: se procurar demais, acaba achando. Se você pensa que os outros é que sempre são isso ou aquilo; que a vida lhe ensine a olhar mais para você mesmo.
Se você pensa que viver é horizontal, unitário, definido, monobloco; que a vida lhe ensine a aceitar o conflito como condição lúdica da existência.Tanto mais lúdica quanto mais complexa.
Tanto mais complexa quanto mais consciente.Tanto mais consciente quanto mais difícil.
Tanto mais difícil quanto mais grandiosa. Se você pensa que disponibilidade com paz não é felicidade; que a vida lhe ensine a aproveitar os raros momentos em que ela (a paz) surge.
Que a vida ensine a cada menino a seguir o cristal que leva dentro, sua bússola existencial não revelada, sua percepção não verbalizável das coisas, sua capacidade de prosseguir com o que lhe é peculiar e próprio, por mais que pareçam úteis e eficazes as coisas que a ele, no fundo, não soam como tais, embora façam aparente sentido e se apresentem tão sedutoras quanto enganosas.
Que a vida nos ensine, a todos, a nunca dizer as verdades na hora da raiva.
Que desta aproveitemos apenas a forma direta e lúcida pela qual as verdades se nos revelam por seu intermédio; mas para dizê-las depois. Que a vida ensine que tão ou mais difícil do que ter razão, é saber tê-la. Que aquele garoto que não come, coma.
Que aquele que mata, não mate. Que aquela timidez do pobre passe.
Que a moça esforçada se forme. Que o jovem jovie.
Que o velho velhe. Que a moça moce.Que a luz luza. Que a paz paze.
Que o som soe.Que a mãe manhe. Que o pai paie. Que o sol sole. Que o filho filhe.Que a árvore arvore.
Que o ninho aninhe. Que o mar mare. Que a cor core.Que o abraço abrace.Que o perdão perdoe.
Que tudo vire verbo e verbe. Verde. Como a esperança. Pois, do jeito que o mundo vai, dá vontade de apagar e começar tudo de novo.
A vida é substantiva, nós é que somos adjetivos.

Artur da Távola


Perfeito!!!

terça-feira, 25 de maio de 2010




" Não sou pra todos. Gosto muito do meu mundinho. Ele é cheio de surpresas, palavras soltas e cores misturadas. Às vezes tem um céu azul, outras tempestade. Lá dentro cabem sonhos de todos os tamanhos.Mas não cabe muita gente.Todas as pessoas que estão dentro dele não estão por acaso. São necessárias. " Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 24 de maio de 2010



"Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania."
Caio Fernando Abreu

domingo, 23 de maio de 2010


"Não é que pensei outra coisa de gente grande? Esta é assim: tudo que parece meio bobo é sempre muito bonito, porque não tem complicação. Coisa simples é lindo. E existe muito pouco." Caio Fernando Abreu

sábado, 22 de maio de 2010




Caio, fantástico sempre, pra encantar o fim de tarde....
"Eu preciso muito muito de você eu quero muito muito você aqui de vez em quando nem que seja muito de vez em quando você nem precisa trazer maçãs nem perguntar se estou melhor você não precisa trazer nada só você mesmo você nem precisa dizer alguma coisa no telefone basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio juro como não peço mais que o seu silêncio do outro lado da linha ou do outro lado da porta ou do outro lado do muro.Mas eu preciso muito muito de você." C.F.A


"Conheci os ipês na minha infância, em Minas, os pastos queimados pela geada, a poeira subindo das estradas secas e, no meio dos campos, os ipês solitários, colorindo o inverno de alegria. O tempo era diferente, moroso como as vacas que voltam em fim de tarde. As coisas andavam ao ritmo da própria vida, nos seus giros naturais. Mas agora, de repente, esta árvore de outros espaços irrompe no meio do asfalto, interrompe o tempo urbano de semáforos, buzinas e ultrapassagens, e eu tenho de parar ante esta aparição do outro mundo. Como aconteceu com Moisés, que pastoreava os rebanhos do sogro, e viu um arbusto pegando fogo, sem se consumir. Ao se aproximar para ver melhor, ouviu uma voz que dizia: “Tira as sandálias dos teus pés, pois a terra em que pisas é santa”. Acho que não foi sarça ardente. Deve ter sido um ipê florido. De fato, algo arde, sem queimar, não na árvore, mas na alma. E concluo que o escritor sagrado estava certo. Também eu acho sacrilégio chegar perto e pisar as milhares de flores caídas, tão lindas, agonizantes, tendo já cumprido sua vocação de amor.
Mas sei que o espaço urbano pensa diferente. O que é milagre para alguns é canseira para a vassoura de outros. Melhor o cimento limpo que a copa colorida. Lembro-me de um pé de ipê, indefeso, com sua casca cortada a toda volta. Meses depois, estava morto, seco. Mas não importa. O ritual de amor no inverno espalhará sementes pela terra e a vida triunfará sobre a morte, o verde arrebentará o asfalto. A despeito de toda a nossa loucura, os ipês continuam fiéis à sua vocação de beleza, e nos esperarão tranqüilos. Ainda haverá de vir um tempo em que os homens e a natureza conviverão em harmonia.
Agora são os ipês rosa. Depois virão os amarelos. Por fim, os brancos."
Rubem Alves

Adoro ipês de todas as cores, na minha infância predominavam os amarelos.Meados de julho e agosto a vida literalmente amarelava com os ipês floridos, hoje infelizmente já não são tão comuns. Esse ipê rosa é urbano e temporão...

sexta-feira, 21 de maio de 2010

"Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco seria uma outra forma de loucura. Necessariamente porque o dualismo existencial torna sua situação impossível, um dilema torturante. Louco porque tudo o que o homem faz em seu mundo simbólico é procurar negar e superar sua sorte grotesca. Literalmente entrega-se a um esquecimento cego através de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão distantes da realidade de sua condição que são formas de loucura — loucura assumida, loucura compartilhada, loucura disfarçada e dignificada, mas de qualquer maneira loucura." Caio Fernando Abreu no fantástico conto: O dia em que escorpião entrou em Netuno de Morangos Mofados



4o. Motivo da rosa

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.

Cecília Meireles

quinta-feira, 20 de maio de 2010


"Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam."
(Clarice Lispector In: A Hora da Estrela)


A Serenata

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardin.
Estou no começo do meu dessespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

Adélia Prado

quarta-feira, 19 de maio de 2010


"Nuvens fiapos de sorvete de coco" já dizia o grande Rosa, quando criança adorava ficar deitada olhando as nuvens e tem coisa mais linda que o céu das Gerais?
"Às vezes digo coisas ácidas e de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então me invades outra vez com o mesmo jogo e embora supondo conhecer as regras, me deixo tomar inteiro por tuas estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um osso descarnado, essas migalhas que me vais jogando entre as palavras e os pratos vazios (…) Tornarei sempre a voltar porque preciso desse osso, dos farelos que me têm alimentado ao longo deste tempo, e choro sempre quando os dias terminam porque sei que não nos procuraremos pelas noites, quando o meu perigo aumenta." Caio Fernando Abreu

terça-feira, 18 de maio de 2010

"A gente procura um amor que dure o mais possível. Procura, procura, talvez tu ache. Para mim é horrível eu aceitar o fato de que eu tô em disponibilidade afetiva. Esse espaço entre dois encontros pode esmagar completamente uma pessoa. Por isso eu acho que a gente se engana, às vezes. Aparece uma pessoa qualquer e então tu vai e inventa uma coisa que na realidade não é. E tu vai vivendo aquilo, porque não agüenta o fato de estar sozinho."
(Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 17 de maio de 2010



Hoje de manhazinha, ao sair para o trabalho, capturei rosas para um doce colibri...



Então o post é uma homenagem a essa pessoa super especial, meu amigo Felipe, a quem chamo carinhosamente de Colibri. É o cara de uma generosidade extrema, sensibilidade à flor da pele, de um gosto apuradíssimo, além das coisas simples da vida, adora também música, cinema, literatura, cozinha e boteco , claro. Quero dizer-lhe que sinto-me privilegiada por tê-lo como amigo e que agora entendo porque apesar de todos os "perrengues" que passei não parti, precisava antes reencontrá-lo. Desfrutar de prosas agradabilissimas, ao vivo ou no msn não importa, pois são sempre momentos de puro prazer. Como já disse Milton Nascimento:"... Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito. Mesmo que o tempo e a distância digam "não". Mesmo esquecendo a canção, o que importa é ouvir a voz que vem do coração... Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar." Ai sim vamos "absolutizar" toda a saudade e prosear encostados num balcão qualquer ai em BH, pois ai estão meus dois grandes amores: você e Dê . Estar com vcs é um dos meus maiores desejos nesse momento. Como é bom poder publicizar todo o afeto que lhe tenho e sem medo de ser piegas dizer que quero você na minha vida pra sempre, doce e adorável Colibri e que espero poder desejar-lhe o melhor da vida. em mais 'trocentos" aniversários. Bjims e carinhomeu! Pra não perder o hábito, o carinho poético de Caio:
"Na minha memória - tão congestionada - e no meu coração - tão cheio de marcas e poços - você ocupa um dos lugares mais bonitos"

domingo, 16 de maio de 2010

No, Je Ne Regrette Rien , por Cássia Eller...

Regrette rien Non je ne

Non, rien de rien,
Non, je ne regrette rien.
Ni le bien qu'on m'a fait,
ni le mal, tout ça m'est bien egal.

Non, rien de rien,
Non, je ne regrette rien,
C'est pajé, balayé, Oublie,
je me fous du passé.

Avec mes souvenirs,
j'ai le feu Allume.
Mes mes plaisirs chagrins,
je n'ai plus besoin d'eux.

Balayés mes amours,
avec leurs vibrações.
Balayés pour toujours
je repars um zero ...

Non, rien de rien,
Non, je ne regrette rien.
Ni le bien qu'on m'a fait,
ni le mal, tout ça m'est bien egal.

Non, rien de rien,
Non, je ne regrette rien.
Ma vie Car mes, joies carro,
Pour aujourd'hui
ça início avec toi

Belissima cançaõ pro domingo.

sábado, 15 de maio de 2010


SATÉLITE
Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A Lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.
Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados.
Mas tão-somente
Satélite.
Ah, Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!
Fatigado de mais-valia.
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
- Satélite.
Manuel Bandeira
Estranho mais agradável exercício esse de vir aqui todos os dias postar, fotos, recados poéticos. a visitantes que não deixam suas pegadas rsrs. No entanto é bom "dimais" poder compartilhar meus prazeres. Um fim de semana de alegrias e poesias a quem por aqui passar. Bjims....













"Choro sempre quando os dias terminam porque sei que não nos procuraremos pelas noites, quando o meu perigo aumenta e sem me conter te assaltaria feito um vampiro faminto para te sangrar enquanto meus dentes penetrando nas veias de tua garganta arrancassem do fundo essa vida que me negas delicadamente, de cada vez que me procuras e me tomas, contudo me enveneno mais quando não vens e ninguém então me sabe parado feito velho num resto de sol de agosto, escurecido pela tua ausência...Caio Fernando Abreu In:"À beira do mar aberto"

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento
e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever
seria o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde
botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos

Manoel de Barros

quarta-feira, 12 de maio de 2010

"Mas, o senhor sério tenciona devassar a raso este mar de territórios, para sortimento de conferir o que existe? Tem seus motivos. Agora – digo por mim – o senhor vem, veio tarde. Tempos foram, os costumes demudaram. Quase que, de legítimo leal, pouco sobra, nem não sobra mais nada. Os bandos bons de valentões repartiram seu fim; muito que foi jagunço, por aí pena, pede esmola. Mesmo que os vaqueiros duvidam de vir no comércio vestidos de roupa inteira de couro, acham que traje de gibão é feio e capiau. E até o gado no grameal vai minguando menos bravo, mais educado: casteado de zebu, desvém com o resto de curraleiro e de crioulo. Sempre, nos gerais, é à pobreza, à tristeza. Uma tristeza que até alegra. Mas, então, para uma safra razoável de bizarrices, reconselho de o senhor entestar viagem mais dilatada. Não fosse meu despoder, por azías e reumatismo, aí eu ia. Eu guiava o senhor até tudo. (...)
Guimarães Rosa - Grande Sertão Veredas

terça-feira, 11 de maio de 2010









Três amigas


Alice Ruiz

Quando se encontraram
cheia, a lua, brilhava alta.
As faltas do inconsciente
que a gente da gente esconde
pulsaram na superfície.
Sem ao menos perceber
já estavam no porão
vasculhando assombrações
e vivendo, sem intenção,
as lembranças mais sagradas.

Muitas lágrimas nasceram,
quentes, em liberdade,
do fundo da intimidade
mais antiga do que elas
vinda, talvez, de outras eras.
Depois trocaram risadas
olhares telepáticose o mais enigmático:
uns silêncios eloqüentes.

São poetas, viu a lua,
talvez para compensar
a sensibilidade tão crua
tramando seus fios de prata,
achou de torná-las vizinhas.
De lá para cá, quando surge,
mesmo longe, é o mesmo céu,
em vez de esconder, tira um véu
e envolve suas almas nuas.

Ignorando distâncias
em seus raios, compartilha,
segredos e confidências
de amigas, irmãs, mães e filhas.
E tal qual na noite escura,
quando há lua, a solidão,
já não está mais sozinha.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Semana começando.... que venha repleta de boas acontecências!!!!


COMUNICADO
Só por hoje vou rasgar os códigos. Desacato as regras, os preços módicos. Só por hoje desacredito das retas, descarrilho do trilho, desvio das setas. Preciso de tempo pra sonhar, respirar fundo e carregar na mão o sal da vida e o mel do mundo. Se o compromisso tocar a campainha, peço que aguarde na casa vizinha, mansamente, sem fazer alarde. Mas comunico a todos pela imprensa que sumiu a lucidez. Pediu licença. É só por hoje, mas agora é minha vez. (Flora Figueiredo)

domingo, 9 de maio de 2010

'Então é assim, somos presente, passado e futuro. Tempo infinito num só, esse é o eterno.' Caio Fernando Abreu



O mundo não é maternal

É bom ter mãe quando se é criança, e também é bom quando se é adulto.Quando se é adolescente a gente pensa que viveria melhor sem ela, mas é um erro de cálculo.Mãe é bom em qualquer idade. Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.O mundo não se importa se estamos desagasalhados e passando fome. Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O mundo quer defender o seu, não o nosso.O mundo quer que a gente fique horas no telefone, torrando dinheiro.Quer que a gente case logo e compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos. O mundo quer que a gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência e estoure o cartão de crédito.Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes e nossos ouvidos, com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue, que a gente fume, que a gente beba.O mundo nos olha superficialmente. Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento. O mundo quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos para enfeitar ele próprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta. O mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.O mundo quer nosso voto, mas não quer atender nossas necessidades. O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui. O mundo não tem doçura, não tem paciência, não pára para nos ouvir.O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego. Para o mundo, quem menos corre, voa. Quem não se comunica se estrumbica. Quem com ferro fere, com ferro será ferido. O mundo não quer saber de indivíduos, e sim de slogans e estatísticas. Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta: exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção. Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto que o mundo propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo.Mãe é de graça.

Marta Medeiros

Bjims carinhosos à todas as Mães do mundo... e à minha, Dª Maria, que é incrivelmente especial.

sábado, 8 de maio de 2010

"Eu me sinto às vezes tão frágil, queria me debruçar em alguém, em alguma coisa. Alguma segurança. Invento estorinhas para mim mesmo, o tempo todo, me conformo, me dou força. Mas a sensação de estar sozinho não me larga. Algumas paranóias, mas nada grave. O que incomoda é esta fragilidade, essa aceitação, esse contentar-se com quase nada. Estou todo sensível, as coisas me comovem. Tenho regressões a estados antigos, às vezes, mas reajo, procuro me manter ligado às coisas novas que descobri. Mas tudo fica e se sucede - quase nunca dá tempo de você se orientar, escolher - não gosto de me sentir levado. "
- Caio 3D: O essencial da década de 1970 - Caio Fernando Abreu

Milton Nascimento - Arquivo - Trama/Radiola

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Eu Não Sei Na Verdade Quem Eu Sou

Fernando Anitelli

Eu não sei na verdade quem eu sou,
Já tentei calcular o meu valor,
Mas sempre encontro sorriso e o meu paraíso é onde estou...
Por que a gente é desse jeito
Criando conceito pra tudo que restou?
Meninas são bruxas e fadas,
Palhaço é um homem todo pintado de piadas!
Céu azul é o telhado do mundo inteiro,
Sonho é uma coisa que fica dentro do meu travesseiro!
Mas eu não sei na verdade quem eu sou!
Já tentei calcular o meu valor
Mas sempre encontro o sorriso e o meu paraíso é onde estou
Eu não sei na verdade quem eu sou!
Perceber da onde veio a vida,
Por onde entrei deve haver uma saída,
Mas tudo fica sustentado pela fé!
Na verdade ninguém sabe o que é!
Velhinhos são crianças nascidas faz tempo!
Com água e farinha eu colo figurinha e foto em documento!
Escola é onde a gente aprende palavrão...
Tambor no meu peito faz o batuque do meu coração!
Mas eu não sei na verdade quem eu sou
Já tentei calcular o meu valor,
Mas sempre encontro o sorriso e o meu paraíso é onde estou!
Eu não sei na verdade quem eu sou!
Descobri que a cada minuto
Tem um olho chorando de alegria e outro chorando de luto
Tem louco pulando o muro, tem corpo pegando doença
Tem gente rezando no escuro, tem gente sentindo ausência!
Meninas são bruxas e fadas,
Palhaço é um homem todo pintado de piadas!
Céu azul é o telhado do mundo inteiro,
Sonho é uma coisa que fica dentro do meu travesseiro!
Mas eu não sei na verdade quem eu sou,
Já tentei calcular o meu valor,
Mas sempre encontro sorriso e o meu paraíso é onde estou...
Eu não sei na verdade quem eu sou.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

"Não sei se será possível a gente escolher as próprias verdades, elas mudam tanto. Não só por isso, nossas verdades quase nunca são iguais às dos outros, e é isso que gera o que chamamos de solidão, desencontro, incomunicabilidade. Talvez a maneira como me debato seja natural, e até positiva. É possível que eu parta daí para um conhecimento maior de mim mesmo. Então estarei livre. Acho que meu mal sou eu mesmo, esses círculos concêntricos envolvendo o centro do que devo ser. Mas só poderei me aproximar dos outros depois que começar a desvendar a mim mesmo. Antes de estender os braços, preciso saber o que há dentro desses braços, porque não quero dar somente o vazio. Também não quero me buscar nos outros, me amoldar ao que eles pensam, e no fim não saber distinguir o pensar deles do meu". Caio Fernando Abreu

"Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas. Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagarenfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventosdestruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todocatita,parece que já vai abrir."(Caio Fernando Abreu, A Morte dos Girassóis)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

"Havia um tempo de cadeiras nas calçadas. Era um tempo em que havia mais estrelas. Tempo em que as crianças brincavam sob a clarabóia da lua".

Mario Quintana


Hoje estou muito delicada, me interessam principalmente flores e passarinhos. .
Clarice Lispector

ANDORINHA

Andorinha lá fora está dizendo:- "Passei o dia à toa, à toa!"
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!Passei a vida à toa, à toa...
Manuel Bandeira

terça-feira, 4 de maio de 2010


Como são belas as tardes de outono....
Nada melhor pra começar do que Caio Fernando Abreu

"Não, não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada."
Caio Fernando Abreu[Morangos mofados]