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quarta-feira, 30 de junho de 2010


Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos
ouvem de longe
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios – e
1 esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando 3
fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
incompletude?).

Manoel de Barros

terça-feira, 29 de junho de 2010

Para ler com o coração......


Assim eu comecei a compreender, pouco a pouco, meu pequeno príncipezinho, a tua vidinha melancólica. Muito tempo não tivesse outra distração que a doçura do pôr de sol. Aprendi esse novo detalhe quando me disseste, na manhã do quarto dia :
- Gosto muito de pôr de sol. Vamos ver um...
- Mas é preciso esperar...
- Esperar o que ?
- Esperar que o sol se ponha.
Tu fizeste um ar de surpresa, e, logo depois, riste de ti mesmo. Disseste-me :
- Eu imagino sempre estar em casa !
De fato. Quando é meio dia nos Estados Unidos, o sol, todo mundo sabe, está se deitando na França. Bastaria ir à França num minuto para assistir ao pôr de sol. Infelizmente, a França é longe demais. Mas no teu pequeno planeta, bastava apenas recuar um pouco a cadeira. E contemplavas o crepúsculo todas as vezes que desejavas...
- Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e três vezes !
E um pouco mais tarde acrescentaste :
- Quando a gente está triste demais, gosta do pôr de sol...
- Estavas tão triste assim no dia dos quarenta e três ?Mas o príncipezinho não respondeu.
Saint Exupery In: O Pequeno Príncipe

segunda-feira, 28 de junho de 2010


"Procuro o céu insistentemente como toda gente jogando com a vida como uma pedrinha na amarelinha. De pulo em pulo, um só pé no chão, sinto a realidade. A outra metade é sonho, ilusão. Assim me equilibro com dificuldade. E se a pedra cai fora, Então recomeço. Se a pedra cai dentro, Me ajeito e me apresso. A meta é no alto E de salto em salto Disputo comigo. Às vezes me alegro, Às vezes me exalto. Será que consigo? " Flora Figueiredo

Excelente semana a todos!!!

domingo, 27 de junho de 2010


"Olha, eu estou te escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro, mas eles não me deixam, você não me deixa. Hoje eu achei que ia conseguir, que ia conseguir dizer, quero dizer, dizer tudo aquilo que escondo desde a primeira vez que vi você, não me lembro quando, não lembro onde. Hoje havia calma, entende? Eu acho que as coisas que ficam fora da gente, essas coisas como o tempo e o lugar, essas coisas influem muito no que a gente vai dizer, entende? Pois por fora, hoje, havia chuva e um pouco de frio: essa chuva e esse frio parece que empurram a gente mais para dentro da gente mesmo, então as pessoas ficam mais lentas, mais verdadeiras, mais bonitas. Hoje eu estava assim: mais lento, mais verdadeiro, mais bonito até. Hoje eu diria qualquer coisa se você telefonasse. "
Caio Fernando Abreu in: Carta para além do muro


Uma excelente semana a todos.

sábado, 26 de junho de 2010

"O que eu quero contar é tão delicado quanto a própria vida. E eu quereria poder usar a delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura da camponesa que é o que me salva." Clarice Lispector In: Aprendendo a Viver

sexta-feira, 25 de junho de 2010



"Tente. Sei lá, tem sempre um pôr-do-sol esperando para ser visto, uma árvore, um pássaro, um rio, uma nuvem. Pelo menos sorria, procure sentir amor. Imagine. Invente. Sonhe. Voe. Se a realidade te alimenta com merda, meu irmão, a mente pode te alimentar com flores. Eu não estou fazendo nada de errado. Só estou tentando deixar as coisas um pouco mais bonitas. Você acha que isso é mau? " Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 24 de junho de 2010


Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci.
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Manuel Bandeira

quarta-feira, 23 de junho de 2010


"O mundo fora de minha cabeça tem janelas, telhados, nuvens, e aqueles bichos brancos lá embaixo. Sobre eles não te detenhas demasiado, pois correrás o risco de transpassá-los com o olhar ou ver neles o que eles próprios não vêem, e isso seria tão perigoso para ti quanto para mim violar sepulcros seculares, mas, sendo uma borboleta, não será muito difícil evitá-lo: bastará esvoaçar sobre as cabeças, nunca pousar nelas, pois pousando correrás o risco de ser novamente envolvida pelos cabelos e reabsorvida pelos cérebros pantanosos e, se isso for inevitável, por descuido ou aventura, não deveras te torturar demasiado, de nada adiantaria, procura acalmar-te e deslizar para dentro dos tais cérebros o mais suavemente possível, para não seres triturada pelas arestas dos pensamentos, e tudo é natural, basta não teres medos excessivos ― trata-se apenas de preservar o azul das tuas asas."
Caio Fernando Abreu In: Pedras de Calcutá.
"Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco seria uma outra forma de loucura. Necessariamente porque o dualismo existencial torna sua situação impossível, um dilema torturante. Louco porque tudo o que o homem faz em seu mundo simbólico é procurar negar e superar sua sorte grotesca. Literalmente entrega-se a um esquecimento cego através de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão distantes da realidade de sua condição que são formas de loucura ― loucura assumida, loucura compartilhada, loucura disfarçada e dignificada, mas de qualquer maneira loucura."
Caio Fernando Abreu

terça-feira, 22 de junho de 2010

Lição de casa

Você tampa a panela,
dobra o avental,
deixa a lágrima secar no arame do varal.
Fecha a agenda,
adia o problema,
atrasa a encomenda,
guarda insucessos no fundo da gaveta.
A idéia é tirar a tarja preta
e pôr o dedo onde se tem medo.
Você vai perceber
que a gente é que faz o monstro crescer.
Em seguida superar o obstáculo,
pois pode-se estar perdendo
um espetáculo acontecendo do outro lado.
Atravessar o escuro
até conseguir tatear o muro,
que é o limite da claridade.
Se tiver capacidade para conquistá-la,
tente retê-la o mais que puder.
Há que ter habilidade, sem esquecer
que a luz é mulher.
Do inferno assim desmascarado,
é hora de voltar.
Não importa se é caminho complicado,
se a curva é reta,
ou se a reta entorta.
Você buscou seu brilho, voltou completa;
jogou a tranca fora, abriu a porta.

Flora Figueiredo In: Amor a céu aberto



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segunda-feira, 21 de junho de 2010


"Quando nada mais houver,eu me erguerei cantando,saudando a vida com meu corpo de cavalo jovem. E numa louca corrida entregarei meu ser ao ser do Tempo e a minha voz à doce voz do vento.Despojado do que já não há solto no vazio do que ainda não veio,minha boca cantará cantos de alívio pelo que se foi, cantos de espera pelo que há de vir." Caio Fernando Abreu

domingo, 20 de junho de 2010


"Lava devagar o rosto na água do arco-íris.
Bebe seu chazinho de pétalas de rosa branca - amarela não, que dá azia.Escova devagar as asas, pluma por pluma.Só depois de bem bonita é que bate de leve na porta da nuvem ao lado."

Caio Fernando Abreu

"Aprendi que minhas delicadezas nem sempre são suficientes, para despertar a suavidade alheia. E mesmo assim, insisto..."
(Caio Fernando de Abreu)

sábado, 19 de junho de 2010


Todo o Sentimento
Chico Buarque

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.

Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.

Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

Salve Chico 66 anos de pura poesia!!!

"...é certo, se isso lhe serve de consolação, que se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-los, para congratular-nos, ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade que tanto se fala..."

Jose Saramago In: Ensaio Sobre a Cegueira


José de Sousa Saramago (1922 - 2010) a literatura perde um de seus grandes ícones, e nós o prazer de desfrutar de suas obras.

sexta-feira, 18 de junho de 2010


“Aprendi que minhas delicadezas nem sempre são suficientes, para despertar a suavidade alheia.”
Caio F. Abreu

quinta-feira, 17 de junho de 2010



Ensinarás...

Ensinarás a voar...
Mas não voarão o teu vôo.
Ensinarás a sonhar...
Mas não sonharão o teu sonho.
Ensinarás a viver...
Mas não viverão a tua vida.
Ensinarás a cantar...
Mas não cantarão a tua canção.

Ensinarás a pensar...
Mas não pensarão como tu.
Porém, saberás que cada vez que voem, sonhem, vivam, cantem e pensem...
Estará a semente do caminho ensinado e aprendido!

(Madre Teresa de Calcutá)


Meu filhote amado que já alçou seu próprio voo e hoje ensina sua filhotinha linda a voar....

quarta-feira, 16 de junho de 2010


COM LICENÇA POÉTICA
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade da alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado

terça-feira, 15 de junho de 2010

Amigo Querido

Por onde andamos
nós, que raramente nos falamos?
Engolidos pela pressa
ou pela saga do compromisso?
Ó Deus, que maratona é essa?

Deixo um recado de saudade
para você pensar:
Por mais que a vida corra e o mundo agite,
por favor, acredite:
o nosso coração não muda de lugar.

O tempo e a distância
costumam nos arrastar.
É como se folhas de outono
se separassem pelo sopro de algum vento.
Mas nosso coração não muda de lugar.

Conservo a mão estendida,
o peito aberto,
o ombro compreensivo,
o pensamento alerta.
A qualquer hora você pode me chamar.
O meu carinho permanece vivo.

É que nosso coração não muda de lugar.

Flora Figueiredo

Saudade faz cocégas na alma e doi demais da conta às vezes.

segunda-feira, 14 de junho de 2010


"(...)A sucessão da natureza
Depende de você
Pro sol nascer
Pra clarear
E entardecer
Você não pode me deixar
Nem é por mim
É pelo seu bem
Deste céu, deste azul
Que precisam descansar
E por fim pelo bem
Da tardinha que não cai

(Dante Ozzetti / Luiz Tatit)

domingo, 13 de junho de 2010

"Eu preciso muito muito de você eu quero muito muito você aqui de vez em quando nem que seja muito de vez em quando você nem precisa trazer maçãs nem perguntar se estou melhor você não precisa trazer nada só você mesmo você nem precisa dizer alguma coisa no telefone basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio juro como não peço mais que o seu silêncio do outro lado da linha ou do outro lado da porta ou do outro lado do muro.Mas eu preciso muito muito de você." Caio Fernando Abreu

sábado, 12 de junho de 2010



Aos Namorados do Brasil

Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado algum escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
que eles não saibam, eles que transformam
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem ,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só vêem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?

Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados. Antes, depois
são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez
voltará à sublime invalidez
que é signo de perfeição interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP,INPS.

Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa batalha.

Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.
De ser o seu cadáver itinerante.
De não ser. De estar, e nem estar.

O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.

A mulher antes e depois da Bíblia
é pois enciclopédia natural
ciência infusa, inconciente, infensa a testes,
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo.

Só a mulher (como explicar?)
entende certas coisas
que não são para entender. São para aspirar
como essência, ou nem assim. Elas aspiram
o segredo do mundo.

Há homens que se cansam depressa de namorar,
outros que são infiéis à namorada.
Pobre de quem não aprendeu direito,
ai de quem nunca estará maduro para aprender,
triste de quem não merecia, não merece namorar.

Pois namorar não é só juntar duas atrações
no velho estilo ou no moderno estilo,
com arrepios, murmúrios, silêncios,
caminhadas, jantares, gravações,
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80,
lancha, piscina, dia-dos-namorados,
foto colorida, filme adoidado,,
rápido motel onde os espelhos
não guardam beijo e alma de ninguém.

Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.

Namorar é além do beijo e da sintaxe,
não depende de estado ou condição.
Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.
A limitação terrestre, que os persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
"Desiste! Foge! Esquece!"
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo renovado

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 11 de junho de 2010



A hora do cansaço

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.
Carlos Drumond de Andrade


Drumond conseguiu poetizar divinamente a transitoriedade característica do mundo moderno, salve poeta!

quinta-feira, 10 de junho de 2010


" Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também.Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso." Caio Fernando Abreu

Caio consegue sempre dizer tudo de uma forma belíssima.

quarta-feira, 9 de junho de 2010


"Que comece agora. E que seja permanente essa vontade de ir além daquilo que me espera. E que eu espero também. Uma vontade de ser. Àquela, que nasceu comigo e que me arrasta até a borda pra ver as flores que deixei de rastro pelo caminho. Que me dê cadência das atitudes na hora de agir. Que eu saiba puxar lá do fundo do baú, o jeito de sorrir pros nãos da vida. Que as perdas sejam medidas em milímetros e que todo ganho não possa ser medido por fita métrica nem contado em reais. Que minha bolsa esteja cheia de papéis coloridos e desenhados à giz de cera pelo anjo que mora comigo. Que as relações criadas sejam honestamente mantidas e seladas com abraços longos. Que eu possa também abrir espaço pra cultivar a todo instante as sementes do bem e da felicidade de quem não importa quem seja ou do mal que tenha feito para mim. Que a vida me ensine a amar cada vez mais, de um jeito mais leve. Que o respeito comigo mesma seja sempre obedecido com a paz de quem está se encontrando e se conhecendo com um coração maior. Um encontro com a vontade de paz e o desejo de viver."

Caio Fernando Abreu

terça-feira, 8 de junho de 2010



ARVORE

Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus
seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor
o azul
E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos. Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore porque fez amizade com muitas borboletas.

Manoel de Barros

domingo, 6 de junho de 2010



'' Vou sair para ver o mar e me perder entre os labirintos que distanciam nossos passos. Vou te procurar entre as estrelas e os satélites distraídos, que confusos me ditaram caminhos errados e esparsos. ''

(Caio Fernando de Abreu)


Que a nova semana venha repleta de boas acontecências pra todos nós!!!1

sábado, 5 de junho de 2010

Pra um sábado friorento:

"O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de irvendo tudo.
Mesmo a ausência dela é um coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio"

Alberto Caeiro- Heterônimo de Fernando Pessoa

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ele sempre diz tudo:


"tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz."

Caio Fernando Abreu In: Morangos mofados

quarta-feira, 2 de junho de 2010


"Hoje vi o sol nascer e se pôr. Depois vi a lua cheia, cheíssima, nascer também. Lindo. Até bati um papinho com não sei quem, pedindo luz pra mim, pro planeta, pras pessoas."

Caio Fernando Abreu - perfeito sempre!!!

terça-feira, 1 de junho de 2010


Procura-se um amigo sozinho
de andar discreto e gesto silencioso.
Procura-se desesperadamente um amigo
que saiba se aproximar
de um passarinho.

Rita Apoena


Tenho a sorte de ter encontrado quem se aproxima de passarinho, ouve estrelas,anda ao sabor do vento, tem cheiro de vida, a leveza de borboleta e a sensibilidade à flor da pele. Felipe e DÊ amigos e companheiros de várias "encadernações" que amo tanto e que me fazem muita falta.