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sábado, 31 de julho de 2010



"Céu azul é o telhado do mundo inteiro
Sonho é uma coisa que fica dentro do meu travesseiro
Eu não sei na verdade quem eu sou
Já tentei calcular o meu valor
Mas sempre encontro sorriso
E o meu paraíso é onde estou
Eu não sei na verdade quem eu sou"
(Fernando Anitelli)

Chico Buarque - As Vitrines (Carioca Ao Vivo)


AS VITRINES

Eu te vejo sair por aí
Te avisei que a cidade era um vão
- Dá tua mão
- Olha pra mim
- Não faz assim
- Não vai lá não
Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir

Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar

Na galeria
Cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão

Chico Buarque

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Bandeira para encantar a tarde...
O impossível carinho

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero contar-te apenas a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Manuel Bandeira


"Um dia, quando a ternura for a única regra da manhã, acordarei entre os teus braços.a tua pele será talvez demasiado bela.e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for tão distante, quando o frio responder devagar como a voz arrastada de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da nossa janela.sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi nem uma palavra, nem o príncipio de uma palavra, para não estragar a perfeição da felicidade."

José Luís Peixoto

desenho de Kurt Halsey

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A INVENÇÃO DE UM MODO

Entre paciência e fama quero as duas,
pra envelhecer vergada de motivos.
Imito o andar das velhas de cadeiras duras
e se me surpreendem, explico cheia de verdade:
tô ensaiando. Ninguém acredita
e eu ganho uma hora de juventude.
Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa,
a menina disse: “Ora, isso é pras mulheres de São Paulo”
Fico entre montanhas,
entre guarda e vã,
entre branco e branco,
lentes pra proteger de reverberações.
Explicação é para o corpo do morto,
de sua alma eu sei.
Estátua na Igreja e Praça
quero extremada as duas.
Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando,
vendo televisão,
ou tirando sorte com quem vou casar.
Porque que tudo que invento já foi dito
nos dois livros que eu li:
as escrituras de Deus,
as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão.

Adélia Prado

quarta-feira, 28 de julho de 2010


Quintanares...

A VERDADEIRA ARTE DE VIAJAR

A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo...
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!


Mario Quintana, in “A cor do invisível”

terça-feira, 27 de julho de 2010

“São tudo histórias, menino. A história que está sendo contada, cada um a transforma em outra, na história que quiser. Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo. Mesmo que ninguém compreenda, como se fosse um combate. Um com combate, o melhor de todos, o único que vale a pena. O resto é engano, meu filho, é perdição.”
Caio Fernando Abreu In: Onde andará Dulce Veiga?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada “impulso vital”. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como “estou contente outra vez”. Ou simplesmente “continuo”, porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como “sempre” ou “nunca”. Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como “não resistirei” por outras mais mansas, como “sei que vai passar”. Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência." Caio Fernando Abreu

domingo, 25 de julho de 2010


“Mais uma vez é domingo, mais uma vez volta o tédio inevitável, universal, da tarde de domingo, este estranho sentimento que se repete, em qualquer parte do mundo, o gosto de fim de festa, a tácita tomada de consciência de que amanhã vai começar tudo de novo - o demônio da rotina, os trabalhos, os problemas, as preocupações grandes e pequenas, depois dessa pausa bíblica. Domingo de tarde é o momento mais triste da semana.
[ Ana Miranda in Dias e Dias ]
Diálogo

A: Você é meu companheiro.
B: Hein?
A: Você é meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que você é meu companheiro.
B: O que é que você quer dizer com isso?
A: Eu quero dizer que você é meu companheiro. Só isso.
B: Tem alguma coisa atrás, eu sinto.
A: Não. Não tem nada. Deixa de ser paranóico.
B: Não é disso que estou falando.
A: Você está falando do quê, então?
B: Eu estou falando disso que você falou agora.
A: Ah, sei. Que eu sou teu companheiro.
B: Não, não foi assim: que eu sou teu companheiro.
A: Você também sente?
B: O quê?
A: Que você é meu companheiro?
B: Não me confunda. Tem alguma coisa atrás, eu sei.
A: Atrás do companheiro?
B: É.
A: Não.
B: Você não sente?
A: Que você é meu companheiro? Sinto, sim. Claro que eu sinto. E você, não?
B: Não. Não é isso. Não é assim.
A: Você não quer que seja isso assim?
B: Não é que eu não queira: é que não é.
A: Não me confunda, por favor, não me confunda. No começo era claro.
B: Agora não?
A: Agora sim. Você quer?
B: O quê?
A: Ser meu companheiro.
B: Ser teu companheiro?
A: É.
B: Companheiro?
A: Sim.
B: Eu não sei. Por favor, não me confunda. No começo era claro. Tem alguma coisa atrás, você não vê?
A: Eu vejo. Eu quero.
B: O quê?
A: Que você seja meu companheiro.
B: Hein?
A: Eu quero que você seja meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que eu quero que você seja meu companheiro.
B: Você disse?
A: Eu disse?
B: Não. Não foi assim: eu disse.
A: O quê?
B: Você é meu companheiro.
A: Hein?
(ad infinitum)
Caio Fernando Abreu

sábado, 24 de julho de 2010


"...você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente"

Caio Fernando Abreu. Para uma avenca partindo In: "O Ovo Apunhalado"

sexta-feira, 23 de julho de 2010


"- A roseira não assusta você? perguntou suave.
- Esta não: esta tem espinhos.
Vitória franziu as sobrancelhas:
- E que diferença faz se tem espinhos?
- É que só tenho medo, disse Ermelinda com certa voluptuosidade, quando uma flor é bonita demais: sem espinho, toda delicada demais, e toda bonita demais."
Clarice Lispector, in A Maçã no Escuro

"Você vê? As pedras parecem luas também. Ou estrelas, ele diz. Chão de estrelas. Vamos pisar nos astros distraídos? Ele ri. Nesse segundo cheio de riso alguma coisa se adensa. Nossos pés pisam em pedras. Mas por cima dos sapatos, sinto que são frias e duras, e sei que seu significado está em nós, não nelas. Uma vontade que a manhã não venha nunca. Vai voltar a grande busca. As noites vazias. Amargura de estar esperando. Repetir mil vezes: não quero esperar. E a certeza de que esse não querer já traz implícitas as longas caminhadas, o olhar devassando os bares, a náusea, os olhares alheios, a procura, a procura: seus ombros largos, um jeito de quem pisa mesmo em luas, não em pedras."

Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 22 de julho de 2010


"Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro O Verdadeiro Amor. Cuidado comigo: um dia encontro."

Caio Fernando Abreu in Os Dragões não Conhecem o paraíso

"De repente - ou não de repente, mas tão aos pouquinhos, e tão igual todo dia que era como se fosse assim, num piscar de olhos, num virar de página - passou-se muito tempo.”
Caio Fernando Abreu in Os Dragões não Conhecem o paraíso

quarta-feira, 21 de julho de 2010

"...Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua.

Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo."
Caio Fernando Abreu

terça-feira, 20 de julho de 2010

Amizade Sincera
Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação.
Nossa amizade era tão insolúvel como a soma de dois números: inútil querer desenvolver para mais de um momento a certeza de que dois e três são cinco.
Ele, a quem eu nada podia dar senão minha sinceridade, ele passou a ser uma acusação de minha pobreza. Além do mais, a solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E, mais que maior, incômoda. Não havia paz.
Só muito depois eu ia compreender que estar também é dar.
Continuamos um ao lado do outro, sem encontrar aquela palavra que cederia a alma. Cederia a alma? Mas afinal de contas quem queria ceder a alma? Ora essa.
Afinal o que queríamos? Nada. Estávamos fatigados, desiludidos.
Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros.

- Clarice Lispector in “Uma amizade sincera”

Feliz dia do amigo !!!
"Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice,dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver.Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da conha que você habita,e da qual te salvo, meu amor,apenas porque te estendo a minha mão. (...)"

Caio Fernando de Abreu
"E eis que depois de uma tarde de “quem sou eu” e de acordar à uma hora da madrugada ainda em desespero – eis que às três horas da madrugada acordei e me encontrei. Fui ao encontro de mim. Calma, alegre, plenitude sem fulminação. Simplesmente eu sou eu. E você é você. É lindo. É vasto, vai durar. Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida, mas por enquanto olha pra mim e me ama. Não! Tu olhas pra ti e te amas, é o que está certo.''

Clarice Lispector


"Apronto agora os meus pés na estrada.Ponho-me a caminhar sob sol e vento. Eles secam as lágrimas.Vou ali ser feliz e já volto."

Caio Fernando Abreu

domingo, 18 de julho de 2010


"Cuido, olho, coloco no sol, rezo. Há situações em que o máximo que se pode fazer é rezar.E esperar, entre suspiro, claro.Mais de meio julho e um agosto inteiro a atravessar. Conseguiremos resistir? Até setembro. Sim até setembro. Ah, até setembro."
Caio Fernando Abreu In: Pequenas Epifanias



"... já que sou, o jeito é ser.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta, continuarei a escrever. (...) Pensar é um ato. Sentir é um fato.
Estou fruindo o que existe. Calada, aérea, no meu grande sonho. Como nada entendo - então adiro à vacilante realidade móvel. O real eu atinjo através do sonho.
Eu te invento, realidade. E te ouço como remotos sinos surdamente submersos na água badalando trémulos. Estou no âmago da morte? E para isso estou viva? O âmago sensível. E vibra-me esse it. Estou viva. Como uma ferida, flor na carne, está em mim aberto o caminho do doloroso sangue". in: A Hora da Estrela

sábado, 17 de julho de 2010


"O amor é procurar cabelos para completar as mãos, é procurar o que não se viveu para contar. É esperar o sol aquecer o lado ileso da cama. É não apagar direito a ausência, a letra, o cheiro. É insistir com respostas sem as perguntas. Adiar o amor ainda é cumpri-lo. Fingir que não se sente é exercê-lo. O amor devora os sobreviventes. Não lembra do pente, da navalha, da tesoura de unhas, do jornal, do abajur. O amor não lembra do que precisa. Amor é não precisar de nada. É precisar do que acontece depois do nada, ainda que não aconteça. O amor confunde para se chegar ao mistério. Embaralha para não se ouvir. Perde-se no próprio amor a capacidade de amar. Amor é comer a fruta do chão. O chão da fruta. O amor queima os papéis, os compromissos, os telefones onde havia nomes. O amor não se demora em versos, se demora no assobio do que poderia ser um verso. O amor é uma amizade que não foi compreendida, uma lealdade que foi quebrada. O amor é um desencontro por dentro."

Fabrício Carpinejar


Clarice para encantar um sábado de sol morno.

"...Estou em plena luta... Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não termos um ao outro... Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.(...) Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer " pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes se apagar a luz [...] " Clarice Lispector

"Eu te amo tanto como se sempre estivesse te dizendo adeus."
Clarice Lispector In.: Um Sopro de Vida


"Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta." Clarice Lispector In: Um Sopro de vida


terça-feira, 13 de julho de 2010

Hoje o Montenegro fala por mim......

Metade.
"Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Pois metade de mim é o que eu grito, a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que triste.
Que a mulher [pessoa*] que amo seja pra sempre amada, mesmo que distante.

Pois metade de mim é partida, a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.
Pois metade de mim é o que ouço, a outra metade é o que calo.
Que a minha vontade de ir embora se transforme na calma e paz que mereço.
Que a tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que penso, a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso que me lembro ter dado na infância.
Pois metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito e que o seu silêncio me fale cada vez mais.
Pois metade de mim é abrigo a outra metade é cansaço.
Que a arte me aponte uma resposta mesmo que ela mesma não saiba e que ninguém a tente complicar. Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer.
Pois metade de mim é platéia a outra metade é canção.
Que a minha loucura seja perdoada.
Pois metade de mim é amor.
E a outra metade também".
Oswaldo Montenegro

segunda-feira, 12 de julho de 2010


"e de repente olhaste uma flor sobre uma sepultura e disseste que gostavas tanto de amarelo e eu disse que amarelo era tão vida e sorriste compreendendo e eu sorri conseguindo e vimos uma margarida e nem sequer era primavera e disseste que margarida era amarelo e branco e eu disse que branco era paz e disseste que amarelo era desespero e dissemos quase juntos que margarida era então desespero cercado de paz por todos os lados."

Caio Fernando Abreu - O dia de ontem.

domingo, 11 de julho de 2010

Vander Lee - Meu Jardim


Meu Jardim
Vander Lee

Tô relendo minha lida, minha alma, meus amores
Tô revendo minha vida, minha luta, meus valores
Refazendo minhas forças, minhas fontes, meus favores
Tô regando minhas folhas, minhas faces, minhas flores
Tô limpando minha casa, minha cama, meu quartinho
Tô soprando minha brasa, minha brisa, meu anjinho

Tô bebendo minhas culpas, meu veneno, meu vinho
Escrevendo minhas cartas, meu começo, meu caminho
Estou podando meu jardim
Estou cuidando bem de mim!!

"Creio que aqueles que mais entendem de felicidade são as borboletas e as bolhas de sabão...
Ver girar essas pequenas almas leves, loucas, graciosas e que se movem é o que,
de mim, arrancam lágrimas e canções.
Eu só poderia acreditar em um Deus que soubesse dançar.
E quando vi meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo, solene.
Era o espírito da gravidade. ele é que faz cair todas as coisas.
Não é com ira, mas com riso que se mata. Coragem!
Vamos matar o espírito da gravidade!
Eu aprendi a andar. Desde então, passei por mim a correr.
Eu aprendi a voar. Desde então, não quero que me empurrem para mudar de lugar.
Agora sou leve, agora vôo, agora vejo por baixo de mim mesmo,
agora um Deus dança em mim!"

Nietszche



Um domingo iluminado a todos!!!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Quintanares pra encantar a noite....
O AUTO-RETRATO

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança…
Corrigido por um louco!

Mario Quintana

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Milton Nascimento - Tudo o que você podia ser


Com sol e chuva você sonhava
Que ia ser melhor depois
Você queria ser o grande herói das estradas
Tudo que você queria ser
Sei um segredo você tem medo
Só pensa agora em voltar
Não fala mais na bota e do anel de Zapata
Tudo que você devia ser sem medo
E não se lembra mais de mim
Você não quis deixar que eu falasse de tudo
Tudo que você podia ser na estrada
Ah! Sol e chuva na sua estrada
Mas não importa não faz mal
Você ainda pensa e é melhor do que nada
Tudo que você consegue ser ou nada


Grande Bituca!!!

terça-feira, 6 de julho de 2010


“Sempre acreditei que toda vez que a gente entra numa igreja pela primeira vez, vê uma estrela cadente ou amarra no pulso uma fitinha de Nosso Senhor do Bonfim, pode fazer um pedido. Ou três. Sempre faço. Quando são três, em geral, esqueço dois. Um nunca esqueci. Um sempre pedi: amor”
Caio Fernando Abreu In: Para sempre teu

segunda-feira, 5 de julho de 2010


“Não queria, desde o começo eu não quis. Desde que senti que ia cair e me quebrar inteiro na queda para depois restar incompleto, destruído talvez, as mãos desertas, o corpo lasso. Fugi. Eu não buscaria porque conhecia a queda, porque já caíra muitas vezes, e em cada vez restara mais morto, mais indefinido -e seria preciso reestruturar verdades, seria preciso ir construindo tudo aos poucos, eu temia que meus instrumentos se revelassem precários, e que nada eu pudesse fazer além de ceder. Mas no meio da fuga, você aconteceu. Foi você, não eu, quem buscou. Mas o dilaceramento foi só meu, como só meu foi o desespero. Que espécie de coisa o cigarro queimou, além dos cabelos? Sei que foi mais fundo, mais dentro, que nessa ignorada dimensão rompeu alguma coisa que estava em marcha. Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu."

Caio Fernando Abreu In: O Inventário do Ir-Remediável.

domingo, 4 de julho de 2010

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

sábado, 3 de julho de 2010

"Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom-senso e medida.
Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa."
(Clarice Lispector)



"As pessoas me acham "interessante"... Eu concordo com tudo, também,nunca discordo do que se diz, tenho muito tato e conquisto as pessoas necessarias."
(Clarice Lispector -In: Minhas Queridas)




Um fim de semana recheado de alegrias!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

"Todo dia, a menina corria o quintal, procurando um arco-íris. Corria olhando para o alto, tropeçava e caía. Toda vez que se machucava, vinha chorando uma cor. Um dia, chorou o anil até esvaziá-lo dos olhos. Depois, chorou laranja, chorou vermelho e azul. Chorou verde. Violeta. Amarelo e até transparente! Chorou todas as cores que tinha, todas as cores de dentro. Então, abriu os olhos e nem o arco-íris, ela viu. Não viu flores e borboletas. Não viu árvores e passarinhos. Pensando que era ainda noite, deitou-se na cama e dormiu. Pensando que era tudo escuro, nem levantar-se ela quis! Ficou dormindo cinzenta, por dias e noites sem fim... Foi quando um sonho, tão colorido, derramou-se dentro dela! Tingiu o travesseiro e a fronha, o lençol e o pijaminha. Tingiu a meia e o quarto. Tingiu as casas e os ninhos! A menina abriu a janela e viu que hoje não tinha arco-íris. Mas tinha o desenho das nuvens. Tinha as flores e um passarinho." Rita Apoena

quinta-feira, 1 de julho de 2010


"(...)Apoiada na vassoura, fui primeiro uma bruxa fatigada de seus próprios feitiços ineficientes e, um momento depois, ainda menos. Apenas uma mulher severa, marcada, sozinha, tentando inultilmente dar ordens numa casa cheia de loucos. Quis ir embora, viver minha própria vida, por mais mediana ou mesquinha que pudesse vir a ser, sem cor(...)eu não esperava nada além de uma vida limpa como as águas do rio lá fora." Caio Fernando Abreu