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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Adeus a BB King, com a justa homenagem de quem entende do cortado.
Texto de Mauricio Winckler Perdomo:
"Tenho lembranças que não consigo datar de um tempo em que era muito criança. Tão vivas, como se tivessem acabado de acontecer.
Minha mãe era estudante de letras e tinha, além de mim, um irmão mais velho. Meu pai era um comerciante. Nesta época e eu me lembro de ter que passar muitos dias sem vê-lo. Tínhamos como ajudante uma senhora que me lembro de atender pelo nome de dona Fia. Me recordo de ir para a casa dela e ficar a maior parte do dia sob seus cuidados. Me lembro de gostar da comida que ela fazia. Era muito simples, arroz feijão, um guisado e uma salada. Lembro do olhar terno maternal e dos conselhos da velha senhora de pele bem enrugada e mãos calejadas. Lembro do tipo de afeto que desenvolvi por ela ser especial , e guardo no meu coração este afeto e respeito que nunca mais esquecerei. Somente mais tarde, tomei consciência de quem era ela, uma ajudante ou babá que minha mãe havia contratado para auxiliar enquanto ela ia concluir seu curso de letras e se tornar professora.
Fui uma criança difícil, todos em minha família afirmam, e minhas lembranças endossam esta afirmação. Sempre tive problemas para me encaixar em grupos sociais ou obedecer regras. Fui muito brigão, apanhei muito por ser assim. Mas quando me lembro de dona Fia, só consigo ter boas recordações dos olhares doces, risadas rasgadas apesar de contidas, abraços fraternos e respeito mútuo. Foi uma convivência especial, a nossa.
Depois de certa idade, durante a adolescência , quando me apaixonei por música, depois de um breve período em que escolhi dentre todas as opções disponíveis no interior de Minas nos anos 80, sem nenhuma influência significativa por parte de minha família, o rock como meu ritmo preferido e alvo de minhas primeiras experiências já como um músico precoce. Ouvia o que me era disponível e comecei a colecionar os primeiros vinis. Também muito precocemente, por volta dos 17 anos, percebi que o rock era um sub produto, e fui em direção a raiz do mesmo. Quando tive contato com o Blues, pude perceber o porquê de minha predileção ter acontecido, mesmo sem ter tido nenhuma justificativa dentro de minha família. E um dos primeiros que me fizeram perceber isso, talvez pela sua grande popularidade, foi o grande BB. King.
Lembro da primeira vez que vi um vídeo dele. Seu solo e suas feições me remeteram diretamente pra dentro da casa de dona Fia. Sua guitarra me soava como a voz dela a me dar conselhos e seu olhar, cheio de dor e esperança , me enchiam de algo que não consigo explicar. Mais tarde, tive a chance de vê-lo ao vivo nos Estados Unidos, onde assisti a seu show por honestos 50 dólares. Um show feito para americanos. Neste dia, ele me repassou essa mesma impressão que havia tido por toda vida. Hoje sou um imitador dele e de mais 100 grandes nomes deste estilo que me cativou pela simplicidade e pela verdade nele contida. Foi um grande mestre. Assim como dona Fia. E me sinto bem em ter aprendido tanto com ambos.
E espero um dia poder reencontrá-los no lugar que seus olhares profundos refletiam a Paz."

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