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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

"Não há poesia na miséria. Talvez por isso eu não encontre uma forma bonita de encerrar este texto. Mas faço minhas as palavras de 'Che Guevara', e espero apenas que "acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte  do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário". A poesia está no coração daquele que sabe semear o alimento não só do corpo, mas também da alma nos áridos e miseráveis solos dos corações. "Temos de ir à procura das pessoas, porque podem ter fome de pão ou de amizade."

Madre Tereza de  Calcutá
"Não é preciso agendar, entrar em fila, contar com a sorte, acordar cedo para pegar senha: "a possibilidade de recomeço está disponível o tempo todo, na maior parte dos casos. Não tem mistério, ela vem embrulhada com o papel bonito de cada instante novo, essa página em branco que olha para a gente sem ter a mínima ideia do que escolheremos escrever nas suas linhas. O que é preciso mesmo é coragem pra abrir o presente."
Ana Jácomo

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

"... mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzí-las a mim. Isso me acontece tantas vezes
r que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: "não me interessa fetiche morto como lembrança". E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo. Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza".

Clarice Lispector

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

"Assopra para esparramar no azul tua vontade de céu, que depois tudo se aquieta por dentro. E nesse vício de sorrisos, a lua inteira entra dentro de casa e sorri bendizendo a chegada de uma nova estação. No peito uma batucada de gestos delicados e a delícia de descobrir nos olhos, uma crença rendada de jasmim. Uma religião de afeto, um encontro com a vontade de ser. Uma mão estendida no meio da tempestade. A paz é escolha de quem se recolhe para acolher em passos leves. Finge ser criança no meio da guerra e aprende que quem tem a alma nos olhos e o coração na mão, sempre encontra uma saída".

Vanessa Leonardi
"Ficar bem nem sempre deixa outras opções . É estranho quando as coisas simplesmente têm de terminar. É o estágio onde todos os sentimentos já evoluíram para um nada. É o nada que você optou para parar de sentir dor. No início você briga, chora, faz drama mexicano. Então percebe
 que é cansativo demais manter esse jeito de levar as coisas . Acostuma-se. Não que pare de doer, mas que cai no seu entendimento que às vezes perdemos algo e não há solução . No fim você coloca um sorriso no rosto e finge que é sincero, até que a vida o faça realmente ser. Talvez os amores eternos sejam amenos e os intensos, passageiros. É isso"!

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Miserere Nobis


Composição: Capinan

Miserere-re nobis
Ora, ora pro nobis
É no sempre será, ô, iaiá
É no sempre, sempre serão
Já não somos como na chegada
Calados e magros, esperando o jantar
Na borda do prato se limita a janta
As espinhas do peixe de volta pro mar
Miserere-re nobis
Ora, ora pro nobis
É no sempre será, ô, iaiá
É no sempre, sempre serão
Tomara que um dia de um dia seja
Para todos e sempre a mesma cerveja
Tomara que um dia de um dia não
Para todos e sempre metade do pão
Tomara que um dia de um dia seja
Que seja de linho a toalha da mesa
Tomara que um dia de um dia não
Na mesa da gente tem banana e feijão
Miserere-re nobis
Ora, ora pro nobis
É no sempre será, ô, iaiá
É no sempre, sempre serão
Já não somos como na chegada
O sol já é claro nas águas quietas do mangue
Derramemos vinho no linho da mesa
Molhada de vinho e manchada de sangue
Miserere-re nobis
Ora, ora pro nobis
É no sempre será, ô, iaiá
É no sempre, sempre serão
Bê, rê, a - Bra
Zê, i, lê - zil
Fê, u - fu
Zê, i, lê - zil
Cê, a - ca
Nê, agá, a, o, til - ão
Ora pro nobis

domingo, 26 de agosto de 2012

"Onde é que se encontra o sublime? Perto! Ao regar as plantas no jardim. Ao escolher os objetos da casa conforme a lembrança de um momento especial que cada um deles traz consigo. Lendo um livro. Dando uma caminhada junto ao mar, numa praça
, num campo aberto, onde houver natureza. Selecionando uma foto para colocar no porta-retrato. Escolhendo um vestido para sair e almoçar com uma amiga. Acendendo uma vela ou um incenso. Saboreando um beijo. Encantando-se com o que é belo. Reverenciando o sol da manhã depois de uma noite de chuva. Aceitando que a valorização do banal é a única atitude que nos salva da frustração. Quando já não sentimos prazer com certas trivialidades, quando passamos a ter gente demais fazendo as tarefas cotidianas por nós, quando trocamos o "ser feliz" pelo "parecer feliz", nossas necessidades tornam-se absurdas e nada que viermos a conquistar vai ser suficiente, pois teremos perdido a noção do que a palavra suficiente significa".

__Martha Medeiros__
"Pode me tirar a compreensão, o perdão, os ossos contados como dias nas paredes da carne. Pode me tirar o egoísmo e a paixão, a cultura que adquiri às pressas, a serenidade para julgar, a severidade do combate. Podes me tirar as metáforas,
a fuga, minha saída do sangue. Pode me tirar os excessos do mínimo, o idioma, meu receio de ficar sozinho. Pode me tirar o colo, a sesta, a audição das escadas. Podes me tirar o desejo e pôr a inquietação em seu lugar. Pode me tirar a liberdade que confundi com justiça porque nenhuma das duas se conheceu a tempo. Não há castigo infinito. Não há dor infinita. Um dia a gente termina para começar, começa para terminar, refaz o percurso como se nada tivesse acontecido antes. Deixe-me apenas uma cadeira de palha, amarela, para olhar com piedade o que fui e me deslumbrar com as ruínas".Fabricio Carpinejar 
 
 Vincent van Gogh, A Cadeira Amarela, 1888

sábado, 25 de agosto de 2012

"A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo."
Eduardo Galeano

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

"Conheço minhas pegadas, de tanto ir e vir. Às vezes pisam fundo como carregassem o peso do mundo. Às vezes ficam amassadas sob o descuido das outras pegadas. Sobre elas, a lua nova desdobra sua saia em cena de nudez no chão da praia. Só perco meus passos na maré cheia: "essa mania do mar de tirar seus sapatos sobre a areia. Conheço bem minhas pegadas. Sou capaz de identificá-las em qualquer lugar. Se ao menos eu soubesse aonde vão me levar".

__Flora Figueiredo__

quinta-feira, 23 de agosto de 2012



"A dúvida é autora das insônias mais cruéis. Ao passo que, inversamente, uma boa e sólida certeza vale como um barbitúrico irresistível." -  Nelson Rodrigues

quarta-feira, 22 de agosto de 2012


…Sou boa sou má, sou verdadeira sou desonesta, sou lúcida sou louca, cresço ou permaneço, amo ou abandono, ajudo ou torturo - e assim,com o leque das possibilidades, me foi dado o tormento das opções…” Lya Luft


domingo, 19 de agosto de 2012

O HISTORIADOR

Veio para ressuscitar o tempo
e escalpelar os mortos,
as condecorações, as liturgias, as espadas,
o espectro das fazendas submergidas,
o muro de pedra entre membros da família,
o ardido queixume das solteironas,
os negócios de trapaça, as ilusões jamais confirmadas
nem desfeitas.

Veio para contar
o que não faz jus a ser glorificado
e se deposita, grânulo,
no poço vazio da memória.
É importuno,
sabe-se importuno e insiste,
rancoroso, fiel.

Carlos Drummond de Andrade, in 'A Paixão Medida'

Encantos Gerais -

sábado, 18 de agosto de 2012

Caminho

Há mentiras de mais e compromissos
(Poemas são palavras recompostas)
E por tantas perguntas sem respostas

Mascara-se a verdade com postiços.

Não vida, nem sombra, nem razão,
É jaula de doidice furiosa,
Eriçada de gritos, angulosa,
Com estilhaços de vidro pelo chão.

E carrego de mais esta jornada
E protestos não servem, nem suores,
Já mordidos os membros de tremores,
Já vencida a bandeira e arrastada.

Depois se me apagaram os amores
Que a viagem fizeram desejada.

JOSE SARAMAGO

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

“No café da manhã, minhas certezas servem-se de dúvidas. E têm dias em que me sinto estrangeiro em Montevidéu e em qualquer outra parte. Nesses dias, dias sem sol, noites sem lua, nenhum lugar é o meu lugar e não consigo me reconhecer em nada, em ninguém. As palavras não se parecem àquilo que dão nome, e não se parecem nem mesmo ao seu próprio som. Então não estou onde estou. Deixo meu corpo e saio, para longe, para lugar nenhum, e não quero estar com ninguém, nem mesmo comigo, e não tenho, nem quero ter, nome algum: então perco a vontade de me chamar ou de ser chamado.”

Eduardo Galeano In: 'O Livro dos abraços'

“na saliva
no papel
no eclipse
em todas as linhas
em todas as cores
em todas as jarras
no meu peito
fora, dentro
no tinteiro na dificuldade de escrever na maravilha dos meus olhos, nas últimas luas do sol (mas o sol não tem luas) em tudo e dizer em tudo é estúpido e magnífico DIEGO na minha urina DIEGO na minha boca no meu coração na minha loucura no meu sonho no mata-borrão na ponta da caneta nos lápis nas paisagens na alimentação no metal na imaginação nas doenças nas montras nas suas astúcias nos seus olhos na sua boca nas suas mentiras. “

Frida kahlo

quinta-feira, 16 de agosto de 2012



"... O tempo é algo que não volta atrás.
Por isso plante seu jardim e decore sua alma,
Ao invés de esperar que alguém lhe traga flores ..."
William Shakespeare

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sobre o sono

O sono chega
quando a noite tenta
pendurar-se em minhas pálpebras
amarrando estrelas
- uma a uma -
em cada cílio


Rita Apoena
"Em espanhol, "consciencia" é a unidade de medida internacional que, em noites de insônia, calcula a pressão exercida sobre um travesseiro." Rita Apoena

terça-feira, 14 de agosto de 2012

“De algum secreto lugar me vem a força para erguer a xícara, acender o cigarro, até sorrir quando alguém me diz: ‘Você hoje está com a cara ótima’, quando penso se não doeria menos jogar-me de um décimo primeiro andar.” Lya Luft
E não esqueçamos

E não esqueçamos nunca a melancolia, o gasto sentimentalismo, perfeitos frutos impuros de uma maravilhosa qualidade esquecida, deixados atrás pelo frenético livresco; a luz da lua, o cisne ao anoitecer, “coração meu” são sem dúvida o poético elementar e imprescindível. Quem foge do mau gosto cai no gelo.


PABLO NERUDA

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

mineiridades


Sotaque mineiro: é ilegal, imoral ou engorda?


''Minas não é palavra montanhosa.
É palavra abissal. Minas é dentro
E fundo”

Carlos Drummond de Andrade

Gente, simplificar é um pecado. Se a vida não fosse tão corrida, se não tivesse tanta conta para pagar, tantos processos — oh sina — para analisar, eu fundaria um partido cuja luta seria descobrir as falas de cada região do Brasil.

Cadê os lingüistas deste país? Sinto falta de um tratado geral das sotaques brasileiros. Não há nada que me fascine mais. Como é que as montanhas, matas ou mares influem tanto, e determinam a cadência e a sonoridade das palavras?

É um absurdo. Existem livros sobre tudo; não tem (ou não conheço) um sobre o falar ingênuo deste povo doce. Escritores, ô de casa, cadê vocês? Escrevam sobre isto, se já escreveram me mandem, que espero ansioso.

Um simples" mas" é uma coisa no Rio Grande do Sul. É tudo menos um "mas" nordestino, por exemplo. O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo (das mineiras) ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Mas, se o sotaque desarma, as expressões são um capítulo à parte. Não vou exagerar, dizendo que a gente não se entende... Mas que é algo delicioso descobrir, aos poucos, as expressões daqui, ah isso é...

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: "pó parar". Não dizem: onde eu estou?, dizem: "ôndôtô?"). Parece que as palavras, para os mineiros, são como aqueles chatos que pedem carona. Quando você percebe a roubada, prefere deixá-los no caminho.

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem — lingüisticamente falando — apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro — metaforicamente falando, claro — ele é bom de serviço. Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: — Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:

— Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, olá, me escutem, por favor. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que, "apaixonado com". Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: "Ah, eu apaixonei com ele...". Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas com alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de bonitim, fechadim, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo: "E aí, vamos?". Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Na verdade, o mineiro é o baiano lingüístico. A preguiça chegou aqui e armou rede. O mineiro não pronuncia uma palavra completa nem com uma arma apontada para a cabeça.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas. Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer:

— Eu preciso de ir.

Onde os mineiros arrumaram esse "de", aí no meio, é uma boa pergunta. Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante. Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam... Você não precisa ir, você "precisa de ir". Você não precisa viajar, você "precisa de viajar". Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará:

— Ah, mãe, eu preciso de ir?

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa. O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente. Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente. Entendeu? Deus, tenho que explicar tudo. Não vou ficar procurando sinônimo, que diabo. E não digo mais nada, leitor, você está agarrando meu texto. Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará:

— Ai, gente, que dó.

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras. Eu aviso que vá se apaixonar na China, que lá está sobrando gente. E não vem caçar confusão pro meu lado.

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão". Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom (acho que dá na mesma), ela, se for jovem, vai gritar: "Ô, é sem noção". Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do tanto de bom que é. Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Ouço a leitora chiar:

— Capaz...

Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "tá fácil que eu faça isso", com algumas toneladas de ironia. Gente, ando um péssimo tradutor. Se você propõe a sua namorada um sexo a três (com as amigas dela), provavelmente ouvirá um "capaz..." como resposta. Se, em vingança contra a recusa, você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "ô dó dôcê". Entendeu agora?

Não? Deixa para lá. É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."? Completo ele fica:

- Ah, nem...

O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?". Resposta: "nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?". A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo. É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...

Certa vez pedi um exemplo e a interlocutora pensou alto:

— Você quer que eu "dou" um exemplo...

Eu sei, eu sei, a gramática não tolera esses abusos mineiros de conjugação. Mas que são uma gracinha, ah isso lá são.

Ei, leitor, pára de babar. Que coisa feia. Olha o papel todo molhado. Chega, não conto mais nada. Está bem, está bem, mas se comporte.

Falando em "ei...". As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do "oi". Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade...

Tem tantos outros... O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar:

— Ah, fui lá comprar umas coisas...

— Que' s coisa? — ela retrucará.

Acreditam? O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade". E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:

— Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem, uma senhora docemente me consolou: "preocupa não, bobo!". E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras. nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo assim. A fórmula mineira é sintética. e diz tudo.

Até o tchau. em Minas. é personalizado. Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: "tchau pro cê", "tchau pro cês". É útil deixar claro o destinatário do tchau. O tchau, minha filha, é prôcê, não é pra outra entendeu?

Deve haver, por certo, outras expressões... A minha memória (que não ajuda muito) trouxe essas por enquanto. Estou, claro, aberto a sugestões. Como é uma pesquisa empírica, umas voluntárias ajudariam... Exigência: ser mineira. Conversando com lingüistas, fui informado: é prudente que tenham cabelos pretos, espessos e lisos, aquela pele bem branquinha... Tudo, naturalmente, em nome da ciência. Bem, eu me explico: é que, características à parte, as conformações físicas influem no timbre e som da voz, e eu não posso, em honrados assuntos mineiros, correr o risco de ser inexato, entendem?
 
 
 

domingo, 12 de agosto de 2012

O Pai 

 Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.

Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.


Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.

Depois... Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.

Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.

O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar... E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.

Escutarei de noite as tuas palavras:
... menino, meu menino...

E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.

Pablo Neruda, in "Crepusculário"

"Esses seus cabelos brancos, bonitos, esse olhar cansado, profundo
Me dizendo coisas, um grito, me ensinando tanto, do mundo...
E esses passos lentos, de agora, caminhando sempre comigo,
Já correram tanto, na vida, meu querido, meu velho, meu amigo

Sua vida cheia de histórias, e essas rugas marcadas pelo tempo,
Lembranças de antigas, vitórias ou lágrimas choradas, ao vento...
Sua voz macia, me acalma e me diz muito mais do que eu digo
Me calando fundo, na alma, meu querido, meu velho, meu amigo

Seu passado vive, presente, nas experiências, contidas,
Nesse coração, consciente, da beleza das coisas, da vida.
Seu sorriso franco, me anima, seu conselho certo, me ensina,
Beijo suas mãos e lhe digo, meu querido, meu velho, meu amigo

Eu já lhe falei de tudo,
Mas tudo isso é pouco diante do que sinto...
Olhando seus cabelos tão bonitos,
Beijo suas mãos e digo, meu querido, meu velho, meu amigo"
Roberto e Erasmo Carlos 

sábado, 11 de agosto de 2012


Clariceando

"Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas e fazem com que eu me contorça toda."
Clarice Lispector  In:  Água Viva
"...Uma boa faxina nos armários do coração traz grande alívio: botamos fora as chateações ou as deixamos de lado por um tempo, e vamos lidar com as coisas graves.
Aos poucos descobrimos que respiramos melhor. Podemos até mesmo sonhar."

Lya Luft in: Perdas e ganhos

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Salve Jorge!

" Os homens valentes têm uma estrela no lugar do coração. Mas nunca se ouviu falar de uma mulher que tivesse no peito, como uma flor, uma estrela. As mulheres mais valentes da terra e do mar da Bahia, quando morriam, viravam santas para os negros, como os malandros que foram também muito valentes.”
 Jorge Amado in: Capitães de Areia



É doce morrer no mar-

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar

A noite que ele não veio foi
Foi de tristeza pra mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi pra mim

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar

Saveiro partiu
de noite foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
sereia do mar levou

É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar

Nas ondas verdes do mar meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo no colo de Iemanjá

  (canção escrita por Jorge Amado e Dorival Caymmi em  1941)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

"A vida inteira tomara cuidado em não ser grande dentro de si para não ter dor."
Clarice Lispector  in:  Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Clariceando

"Pois há tempo de rosas, outro de melões, e não comereis morangos senão na época de morangos."
Clarice Lispector in: A Descoberta do Mundo
"Temos que entender que tempo não é dinheiro. Essa é uma brutalidade que o capitalismo faz como se o capitalismo fosse o senhor do tempo. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida".

Professor Antonio Cândido de Mello e Souza,
aniversariante do dia - 94 anos.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Caetano Veloso - Mimar você


 Tudo De Novo

(Caetano Veloso)

Minha mãe, meu pai, meu povo
Eis aqui tudo de novo
A mesma grande saudade
A mesma grande vontade
Minha mãe, meu pai, meu povo

Minha mãe me deu ao mundo

De maneira singular
Me dizendo a sentença
Pra eu sempre pedir licença
Mas nunca deixar de entrar

Meu pai me mandou pra vida

Num momento de amor
E o bem daquele segundo
Grande como a dor do mundo
Me acompanha onde eu vou

Meu povo, sofremos tanto

Mas sabemos o que é bom
Vamos fazer uma festa
Noites assim, como essa
Podem nos levar pra o tom


PARABÉNS, CAETANO!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Nem existir é mais que um exercíci/
de pesquisar de vida um vago indício” ( Carlos Drumond de Andrade in: “Relógio do rosário”)

Clariceando

"Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos sou eu que escrevo o que estou escrevendo." Clarice Lispector

domingo, 5 de agosto de 2012

Clariceando

"De repente as coisas não precisam mais fazer sen­tido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é." Clarice Lispector in: Um sopro de vida

CRAVOS VERMELHOS

Bocas rubras de chama a palpitar,
Onde fostes buscar a cor, o tom,
Esse perfume doido a esvoaçar,
Esse perfume capitoso e bom?!
Sois volúpias em flor! Ó gargalhadas
Doidas de luz, ó almas feitas risos!
Donde vem essa cor, ó desvairadas,
Lindas flores d´esculturais sorrisos?!
...Bem sei vosso segredo...Um rouxinol
Que vos viu nascer, ó flores do mal
Disse-me agora: "Uma manhã, o sol,
O sol vermelho e quente como estriga
De fogo, o sol do céu de Portugal
Beijou a boca a uma rapariga..."

Florbela Espanca

sábado, 4 de agosto de 2012

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

" Cada um de nós pinta com sonhos a praça de sua vida." Lya Luft
Bem que me mirava no espelho para ver que cara a gente tem quando sofre tanto, mas era sempre o meu rosto. Cada vez achava que devia ter mudado muito, não se podia ficar a mesma depois de tanta coisa, tanta dor. Contudo, era eu.” 

Lya  Luft in: As Parceiras

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Emas
Elas ficavam flanando, as emas.
Nos pátios da fazenda.
A gente sabia que as emas
comem vidros, latas de sardinha, sabonetes,
cobras, pregos.
Falavam que elas têm moelas de alicate.
Nossa mãe tinha medo que as emas comessem
nossas cobertas de dormir e os vidros de
arnica da avó.
Eu tinha vontade de botar cabresto na ema
e sair pelos campos montado nela.
A gente sabia
que a ema quase voa no correr.
E que quase dobra o vento no correr.
Eu tinha vontade de dobrar o vento no correr.
  Manoel Barros,
Ilustrado por Siron Franco