Amar ou Ser Amado?
Que é o que mais deseja e mais estima o amor: ver-se
conhecido ou ver-se pago? É certo que o amor não pode ser pago, sem ser primeiro
conhecido; mas pode ser conhecido, sem ser pago. E considerando divididos estes
dois termos, não há dúvida que mais estima o amor e melhor lhe está ver-se
conhecido que pago. Porque o que o amor mais pretende, é obrigar; o conhecimento
obriga, a paga desempenha. Logo muito melhor lhe está ao amor ver-se conhecido
que pago; porque o conhecimento aperta as obrigações, a paga e o desempenho
desata-as. O conhecimento é satisfação do amor próprio; a paga é satisfação do
amor alheio. Na satisfação do que o amor recebe, pode ser o afecto interessado;
na satisfação do que comunica, não pode ser senão liberal. Logo, mais deve
estimar o amor ter segura no conhecimento a satisfação da sua liberalidade, que
ver duvidosa na paga a fidalguia do seu desinteresse. O mais seguro crédito de
quem ama, é a confissão da dívida no amado; mas como há-de confessar a dívida,
quem a não conhece? Mais lhe importa logo ao amor o conhecimento que a paga;
porque a sua maior riqueza é ter sempre individado a quem ama.Quando o amor
deixa de ser credor, só então é pobre. Finalmente, ser tão grande o amor que se
não possa pagar, é a maior glória de quem ama: se esta grandeza se conhece, é
glória manifesta; se não se conhece, fica escurecida, e não é glória. Logo,
muito mais estima o amor, e muito mais deseja e muito mais lhe convém a glória
de conhecido, que a satisfação de pago.
Padre António Vieira, in
Sermão do Mandato
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